terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Gosto do Natal, mas não gosto de dezembro... o fim do ano.

Hoje trouxe o cheiro dela comigo... O fim de 2022 trouxe o inesperado... inesperado porque quando nos habituamos a algo que não quebra e ultrapassa todas as barreiras, é-nos dificil conceber o contrário... A minha avó Luísa adoeceu em novembro. A minha avó Luísa é, para quem não me leu desde o ínicio, a única avó que tenho. A minha avó Luísa tem 95 anos. A minha avó Luísa nasceu na Beira Baixa, no Alcaide, concelho do Fundão, distrito de Castelo Branco. Toda a vida foi uma mulher de trabalho, do campo, da terra. O meu avô Ventura, seu marido, morreu há muitos anos, 30 e tal, quase 40, e ela tocou a vida para frente, sempre com a presença dos filhos, meu pai e meu tio, noras e netos e hoje bisnetos. Perdeu a mâe com 9 anos, começou a trabalhar muito cedo e criou os irmãos mais novos... Incrivel... como é que uma criança cria outras crianças? Mas era assim antigamente, e estas crianças cresciam como podiam, como sabiam, como aprendiam... como lhes era permitido... Cresceu casou e teve 2 filhos. Trabalhou no campo e passado uns anos veio para Lisboa com o meu avô, tinha o meu pai cerca de 5 anos, compraram uma Quinta com várias casinhas, onde viveu até ao dia 18 de novembro, dia que deu entrada no hospital com uma pneumonia muito grave. Desde lá até agora, lutou e luta como pode, mas sem conseguir vencer o que tem dentro. Vai fazer 6 semanas na próxima 6f, que lá está. E para nós, família, que nunca a vimos perder batalhas, tem sido muito duro. Há quase um mês a trás ela dizia que não vinha passar o Natal a casa e nós diziamos "ainda falta muito para o Natal", o tempo foi passando e entre dias em que ria e falava sem parar ( porque ela é...era assim), cantigas que cantava para quem a visitava, o tempo foi passando...e chegaram os dias em que deixou de rir... cantar ou mesmo falar... no Natal não se falou mais... e na semana antes o médico chamou-nos porque as coisas estavam mesmo muito feias... o cérebro dela vive aprisionado num corpo que pouco ou nada reage... ouve tudo, entende, faz pequenos gestos como quem quer falar, mexer-se...mas muito devagarinho ou mesmo sem conseguir... como quando sonhamos que estamos a gritar e o som não sai. Tenho ido visitá-la sempre que tenho oportunidade, fui lá hoje, não a via desde 6ªf passada, 3 dias sem a ver... levei-lhe molotof, a sobremesa preferida dela... mas hoje ela estava naqueles dias em que mal comia. Com a autorização da enfermeira dei-lhe um bocadinho, mas nem sei se para ela o sabor era o de molotof... não comeu mais do que o tamanho de uma ervilha. Enchia-a de beijinhos, festinhas, chorei... chorei muito... e agradeci-lhe mais uma vez por tudo o que me deu durante toda a vida, o tudo que nem sempre eu estive disponivel para retribuir... ou porque (achava eu) não tinha tempo, ou não tinha paciência...ou porque era mais nova e às vezes era parvinha... tanto que ela gostava de mim, tantas vezes mo disse... e eu rebelde não dava a importância devida... Desculpa avó, eu já te pedi desculpa mas peço novamente, desculpa por não estar mais vezes contigo, não te dar mais atenção, não te valorizar mais... a vida é uma correria e depois quando levamos um chapadão e acordamos, é tarde demais. Trago comigo o teu cheiro, o cheiro do creme na tua pele... o creme que te pôem para a tua pele não secar e te magoar porque estás há tempo de mais deitada numa cama de hospital... à espera... que tudo passe. Um milagre, neste momento era o que eu queria. Amo-te muito minha querida avó Luísa. Obrigada. A tua neta (a rapariga que tu tanto querias)... Ana

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